Quando o rio não entende o barco
Esperar que o outro adivinhe o que sentimos é como soltar o barco na correnteza e culpar o rio pela direção. Falar com clareza é um ato de maturidade emocional — exige coragem para reconhecer o que se quer, vulnerabilidade para pedir e lucidez para sustentar o diálogo.
NEUROCIÊNCIA E COMPORTAMENTO


Uma metáfora que gosto de utilizar é a do barco em um rio. Se deixarmos o barco seguir a correnteza, ele navegará rio abaixo. Se quisermos subir o rio, teremos que remar. Essa mesma ideia pode ser utilizada para construirmos um funcionamento diferente do que vínhamos tendo até então. Se quisermos que as coisas permaneçam como estão, não há necessidade de fazer nada. Caso contrário, teremos que remar. E olha, remar não é fácil.
Pensemos: como ter uma comunicação com menos ruído? Será que deixar pistas pelo caminho para que o outro “adivinhe” é uma boa ideia? Talvez tenhamos o seguinte argumento interno: como ele/ela não me daria aquele perfume de presente de aniversário se falei, a cada oportunidade, do tanto que aquele perfume é bom e me agrada? Ele/ela não me dá importância, porque se desse, teria entendido! Será??? Ou: por que ele/ela não muda se já falei tantas vezes sobre como ele/ela tem errado? E a lista pode ser infinita... (encaixe aqui todas as suas argumentações sobre a falta de importância que ele/ela tem atribuído a você).
Pois bem. Comecemos com as pistas... O que impede que você diga claramente aquilo que quer? Por que você se sentiria mais “valorizado/a” se pudesse ter seus desejos atendidos sem precisar externá-los? Quem é a criatura que tem isso?
Lembremos: você já teve isso em algum momento de sua vida, quando foi? Uma dica: você chorava e alguém vinha com a mamadeira, ou com o peito, ou com a fralda para trocar, ou... seja lá com o que fosse para acudir você. Então: quando a gente é bebê e não sabe falar, o outro tem realmente que adivinhar o que precisamos. Mas, quando crescemos e continuamos com a mesma atitude, qual a mensagem subliminar estamos emitindo? Sou um bebê, não sei o que preciso e, por isso, você terá que adivinhar; trate-me como alguém que não entende as próprias necessidades.
E sabe o que é pior? Quando fazem exatamente isso que pedimos, quando nos tratam como alguém que não sabe o que quer ou não consegue expressar o que quer, ficamos irados/as. Como ele/ela tem o desplante de me tratar como se eu fosse um/a incapaz???
Clareza nos pedidos é um aprendizado importante, mas não tão fácil. Primeiramente, temos que entender o que queremos, e aqui é necessário fazer uma distinção entre desejo e necessidade. Confundir desejo e necessidade causa muita confusão (assunto para um próximo post)....
Comece se perguntando: se eu pudesse falar sobre isso (seja o que for), como eu falaria? Se eu pudesse pedir isso (seja o que for) como pediria? Por que é tão difícil pedir (não exigir) algo que necessito? Fragilidade, orgulho, vergonha? Quais sentimentos emergem quando estou à frente de alguém a quem preciso expressar uma necessidade ou um desejo?
Identificados os sentimentos, as necessidades, os desejos, construa um memorial, um diário, uma lista... registre de alguma forma. Grave no celular seu pedido para escutar depois. Tente se ouvir como o outro ouviria. Coloque-se no lugar de quem recebe o pedido. Como esse pedido chega? Como um lamento? Como uma reclamação? Como uma súplica? Ele vem justificado? Imposto?
Refaça a gravação. Reorganize as ideias quantas vezes forem necessárias. Você perceberá que é possível ter dificuldade em expressar necessidades e desejos mesmo que seja para você mesmos/as; imagine o outro adivinhando! Mas, à medida que você for, mais e mais, tomando consciência de você mesmo/a, a comunicação ficará cada vez mais limpa, cada vez com menos ruído.
Até o próximo post.




