Por que você sente preguiça de fazer coisas que você GOSTA?
Você tem aquele livro incrível na cabeceira da cama há três meses. Você adora ler - sempre adorou. Mas toda noite, em vez de abrir o livro, você pega o celular e rola o feed do Instagram por uma hora antes de dormir. Ou talvez sejam seus materiais de desenho, guardados há semanas em uma gaveta. Você ama desenhar. Foi o que te salvou na adolescência. Mas de alguma forma, você nunca "tem tempo" ou "está muito cansada" para pegar os lápis. E o violão? Aquele que você comprou animada, pensando em retomar as aulas? Ele está no case, encostado na parede, acumulando poeira. Se você se reconhece em alguma dessas situações, tenho uma boa notícia: isso é custo de ativação cerebral.
NEUROCIÊNCIA E COMPORTAMENTO


Existe uma explicação neurocientífica fascinante para esse fenômeno que vou chamar de "preguiça paradoxal" - a dificuldade de fazer coisas que você genuinamente ama.
Primeiro, vamos esclarecer o que isso não é. Isso não é preguiça comum. Preguiça verdadeira seria não querer fazer algo. Você não quer lavar a louça, não quer fazer aquela tarefa chata do trabalho, não quer ir naquela reunião entediante. Isso é preguiça normal - você simplesmente não gosta daquilo.
Mas o que estamos falando aqui é diferente. Você QUER fazer. Você GOSTA daquela atividade. Mas mesmo assim, não consegue começar.
Essa é a diferença crucial: o desejo está presente, mas a ação não acontece.
E isso te frustra profundamente porque você pensa: "Se eu gosto tanto, por que eu não faço?"
A resposta está no que a neurociência chama de custo de ativação.
Custo de ativação: a conta que seu cérebro faz (e você nem percebe)
Seu cérebro é, fundamentalmente, um órgão que tenta economizar energia. Ele representa apenas 2% do peso do seu corpo, mas consome cerca de 20% de toda sua energia. Por isso, ele desenvolveu sistemas sofisticados para calcular o "custo-benefício" de cada ação que você pode tomar.
Antes de você fazer qualquer coisa - e estou falando de milissegundos, completamente abaixo da sua consciência - seu cérebro calcula quanto de energia será necessário para iniciar aquela atividade.
Não estamos falando apenas de esforço físico. O cérebro calcula:
Custo cognitivo: Quanto de atenção e concentração será necessário?
Custo emocional: Essa atividade envolve vulnerabilidade, risco, exposição?
Custo logístico: Quantos passos preciso dar para começar?
Custo de inércia: Quanta força preciso fazer para sair do estado atual?
E então ele compara com a recompensa esperada:
Essa recompensa é imediata ou tardia?
É garantida ou incerta?
É intensa ou sutil?
Vamos aplicar isso ao exemplo clássico: livro vs celular.
A conta que seu cérebro faz com o livro:
Custos de ativação:
Levantar, ir até onde o livro está (ou pegar da cabeceira)
Achar um lugar confortável, posição adequada
Desligar notificações mentais, focar atenção
Sustentar concentração por período prolongado
Lidar com possibilidade de não entender algo, de não gostar, de abandonar.
Recompensa:
Prazer da leitura... mas só DEPOIS de vencer todos esses custos
Recompensa sutil, acumulativa
Satisfação que vem aos poucos, não instantânea.
Resultado da conta: Alto custo de ativação + recompensa tardia = resistência interna forte
A conta que seu cérebro faz com o celular:
Custos de ativação:
Zero. Seu celular já está na sua mão ou ao lado
Nenhum esforço cognitivo necessário
Nenhum risco emocional
Nenhuma concentração sustentada exigida
Recompensa:
Imediata. Cada scroll = microdose de dopamina
Novidade constante = estimulação garantida
Zero possibilidade de "falhar" ou decepcionar-se
Resultado da conta: Zero custo de ativação + recompensa instantânea = caminho de menor resistência
O cérebro escolhe B. Não porque você não ama ler. Mas porque, naquele momento, você não tem a energia disponível para vencer a barreira inicial do custo de ativação.
Por que atividades prazerosas têm custo alto?
Aqui está o paradoxo que frustra tanta gente: as coisas que mais te nutrem de verdade são justamente as que exigem mais energia para começar.
Vamos entender por quê:
1. Atividades significativas exigem presença
Ler um livro não é algo que você faz no piloto automático. Você precisa estar mentalmente presente. Seu córtex pré-frontal precisa estar ativo, sua atenção precisa estar focada, você precisa processar, compreender, imaginar.
Desenhar exige vulnerabilidade criativa. Há sempre aquele risco de "não ficar bom", de você se frustrar com o resultado, de confrontar suas próprias limitações técnicas.
Ter uma conversa profunda com uma amiga exige presença emocional total. Você não pode estar pensando em 500 coisas ao mesmo tempo. Precisa ouvir, processar, se abrir, se arriscar emocionalmente.
Essas atividades são prazerosas, sim. Mas só DEPOIS que você vence a inércia inicial.
2. Recompensa tardia vs recompensa imediata
O sistema de recompensa do seu cérebro foi desenvolvido em um ambiente em que "imediato" significava sobrevivência.
Ver uma fruta na árvore = pegar agora = recompensa imediata = você não morre de fome.
Esse sistema ainda funciona da mesma forma. Recompensas imediatas ativam liberação intensa de dopamina. Recompensas tardias... nem tanto.
Ler um capítulo inteiro do livro para ter aquela sensação boa de "nossa, que leitura maravilhosa" = recompensa tardia, sutil, acumulativa.
Ver um vídeo engraçado de 15 segundos = recompensa imediata, intensa.
Seu cérebro, quando está cansado ou estressado, vai sempre escolher a recompensa imediata.
3. O papel da energia mental disponível
Aqui está uma das chaves mais importantes: o custo de ativação não é fixo. Ele varia de acordo com quanta energia mental você tem disponível naquele momento.
Imagine que você acabou de acordar, tomou café, está descansada. Nesse momento, "pegar o livro e ler" não parece tão difícil. O custo de ativação é relativamente baixo porque você tem energia disponível.
Agora imagine que são 22h. Você trabalhou o dia todo, lidou com problemas, tomou decisões, gerenciou pessoas, resolveu conflitos. Sua energia mental está esgotada.
Nesse estado, o mesmo custo de ativação parece uma montanha intransponível.
Não é que você não gosta mais de ler. É que você não tem reserva cognitiva para vencer aquela barreira inicial.
E o que acontece? Você pega o celular. Porque rolar o feed não exige nada de você. É a atividade de "custo zero" perfeita para uma mente exausta.
O ciclo vicioso da evitação
Aqui está onde a coisa complica: quanto mais você evita fazer aquela atividade que ama, maior o custo de ativação se torna.
Vamos usar o exemplo do violão.
Semana 1: Você não pratica. Okay, acontece.
Semana 2: Você não pratica de novo. Agora, além do custo normal de ativação, você adiciona:
Culpa ("devia ter praticado na semana passada")
Autocrítica ("sou preguiçosa, não tenho disciplina")
Medo de ter perdido habilidade ("será que ainda lembro?")
Semana 3: Agora o custo é ainda maior:
Culpa acumulada
Autocrítica mais intensa
Vergonha de ter deixado tanto tempo
Medo real de não conseguir tocar tão bem quanto antes
Resultado: A cada semana que passa, a barreira fica mais alta. Até que um dia o violão está há meses no case e você nem olha mais para ele.
Mas atenção: isso não significa que você não ama mais tocar. Significa que o custo de ativação se tornou tão alto - carregado de emoções negativas - que seu cérebro evita nem considerar aquela opção.
Estratégias práticas para hackear o custo de ativação
A boa notícia é que, quando você entende o mecanismo, pode trabalhar A FAVOR do seu cérebro, não contra ele.
Aqui estão estratégias concretas que funcionam:
1. Reduza drasticamente o custo de ativação
Facilite o início ao máximo. Remova todas as barreiras possíveis entre você e o primeiro passo.
Exemplos práticos:
Para ler mais:
Deixe o livro aberto na página exata onde parou, em cima da mesa onde você vai sentar
Marque o lugar com um marcador bonito que te agrada visualmente
Tenha uma luminária dedicada para leitura já posicionada
Prepare uma xícara de chá ANTES de sentar (não "vou ler depois que fizer o chá").
Para desenhar mais:
Materiais FORA da gaveta, já dispostos em uma mesinha
Folha já na mesa, lápis já apontado
Se você desenha digitalmente: tablet já ligado, app já aberto na última página.
Para tocar instrumento:
Instrumento FORA do case, no suporte, pronto para pegar
Se é violão: deixe afinado (não "vou afinar quando for tocar")
Partitura ou cifra já aberta na música que você quer praticar.
Princípio geral: Se você precisa fazer 5 passos para começar, você não vai começar quando estiver cansada. Se você precisa fazer ZERO passos (só sentar e pegar), as chances aumentam exponencialmente.
2. Crie rituais de transição
Seu cérebro ADORA contexto e padrões. Quando você associa uma atividade a um contexto específico repetidamente, o custo de ativação diminui porque seu cérebro "aprende" que naquele contexto, aquela atividade acontece.
Exemplos práticos:
Ritual de leitura:
Sempre chá + livro juntos
Sempre mesma cadeira, mesma hora
Sempre com música instrumental de fundo (ou sempre em silêncio)
Seu cérebro começa a associar: "chá nessa cadeira = hora de ler".
Ritual de prática musical:
Sempre depois do jantar, 20 minutos
Sempre acender uma vela específica enquanto pratica
Sempre começar com a mesma escala de aquecimento.
Princípio geral: Contexto é uma chave poderosa de memória e hábito. Use a favor.
3. Compromisso mínimo (a técnica dos 5 minutos)
Esta é uma das estratégias mais eficazes: prometa a si mesma apenas 5 minutos.
"Vou ler por 5 minutos. Depois posso parar se quiser."
Por que isso funciona?
Porque o custo de ativação para "5 minutos" é infinitamente menor que para "ler o livro" (sem tempo definido).
Seu cérebro calcula: "Okay, 5 minutos eu consigo. É quase nada."
E o que geralmente acontece depois que você começa?
Você não quer parar.
Vencer a inércia inicial é a parte mais difícil. Manter-se na atividade depois de começar é MUITO mais fácil. É física básica: objeto em movimento tende a permanecer em movimento.
Então você "engana" seu cérebro para começar, e depois a própria atividade te captura.
Importante: Se depois de 5 minutos você REALMENTE quiser parar, você PODE parar. Não é uma armadilha. É um convite gentil para experimentar.
4. Proteja sua energia para o que importa
Se você quer fazer as coisas que ama, você precisa ter energia disponível quando for fazer.
Isso significa: não espere estar exausta no fim do dia para tentar ler aquele livro.
Se você sabe que às 22h você está mentalmente esgotada, não planeje "ler antes de dormir". Você não vai conseguir. O custo de ativação vai parecer impossível.
Melhor estratégia:
Identifique QUANDO você tem mais energia mental no dia:
Você é pessoa da manhã? Leia de manhã, antes do trabalho
Você tem pico de energia no meio da tarde? Use esse momento
Você se sente melhor à noite, mas antes de ficar exausta? Leia às 20h, não às 23h.
Princípio geral: Faça o que você ama quando você tem energia para vencer o custo de ativação. Reserve as atividades de "custo zero" para quando estiver exausta.
5. Quebre o ciclo da culpa
Lembra que falamos sobre como culpa e autocrítica aumentam o custo de ativação?
Você precisa quebrar esse ciclo.
Como?
Compaixão radical consigo mesma.
Quando você perceber que "não fez de novo" aquela atividade, em vez de:
❌ "Eu sou uma preguiçosa sem disciplina"
Tente:
✅ "Eu não tive energia disponível para vencer o custo de ativação. Isso não significa nada sobre quem eu sou. Vou facilitar o início para a próxima vez."
Percebe a diferença?
A primeira narrativa ADICIONA peso emocional (aumenta custo de ativação).
A segunda narrativa REMOVE julgamento e ADICIONA estratégia (reduz custo de ativação).
Autocompaixão não é desculpa. É estratégia inteligente.
6. Celebre micro-vitórias
Cada vez que você vencer a inércia inicial e começar - mesmo que por 5 minutos - CELEBRE.
Não precisa ser nada grandioso. Só um reconhecimento interno: "Fiz! Venci a barreira hoje."
Por que isso importa?
Porque você está treinando seu cérebro a associar aquela atividade com:
Sentimento de conquista (dopamina)
Sensação de agência (você consegue!)
Reforço positivo.
Isso gradualmente REDUZ o custo de ativação para as próximas vezes.
A conexão com regulação emocional e mobilidade emocional
Se você chegou até aqui, você já percebeu que estamos falando de algo muito maior do que "ler mais livros" ou "tocar mais violão".
Estamos falando sobre regulação emocional e mobilidade emocional.
Regulação emocional é a capacidade de gerenciar seus estados internos de forma consciente e adaptativa. Isso inclui:
Reconhecer quando você não tem energia disponível
Criar estratégias para reduzir custos de ativação
Não se punir por limitações naturais do cérebro humano
Agir de forma alinhada com seus valores, mesmo quando é difícil.
Mobilidade emocional é a capacidade de transitar entre diferentes estados e atividades sem se fragmentar ou travar. É conseguir:
Sair do estado de exaustão e entrar no estado de presença (mesmo que por 5 minutos)
Transitar do modo "sobrevivência" (scroll) para modo "nutrição" (livro)
Fazer escolhas conscientes sobre onde investir sua energia limitada.
Essas habilidades não são inatas. Elas se desenvolvem com prática intencional.
E é exatamente esse tipo de desenvolvimento que eu trabalho no Método DCM - Destemor, Confiança e Mobilidade Emocional.
Porque no fundo, "não conseguir fazer o que você ama" não é um problema de disciplina ou força de vontade.
É um problema de não ter ferramentas para:
Entender como seu cérebro funciona
Trabalhar COM ele, não contra ele
Regular seus estados emocionais de forma consciente
Criar mobilidade entre intenção e ação.
Conclusão: Você ainda ama aquilo.
Se você tirar apenas uma coisa deste artigo, que seja esta:
Você não parou de amar aquela atividade. Você só não tem energia disponível para vencer o custo de ativação no momento em que tenta fazer.
Isso é design cerebral: a forma como todos os cérebros humanos funcionam.
E quando você entende o mecanismo, você pode parar de se culpar e começar a criar estratégias.
Você pode:
Reduzir o custo de ativação (facilitar o início)
Proteger sua energia (fazer quando tem condições)
Criar rituais (usar contexto a seu favor)
Compromisso mínimo (5 minutos é suficiente)
Autocompaixão (quebrar ciclo de culpa).
E gradualmente, você vai perceber que não é tão difícil quanto parecia.
Você vai voltar a fazer as coisas que ama.
Não por força de vontade brutal. Mas por estratégia inteligente, compreensão de como você funciona, e compaixão com suas limitações humanas.
Então me diga:
Qual atividade você ama mas não consegue fazer?
E qual dessas estratégias você vai experimentar essa semana?
Quer aprender mais sobre regulação emocional?
Se você se identificou com esse conteúdo e quer desenvolver ferramentas práticas de regulação emocional e mobilidade emocional, convido você a conhecer o Método DCM - Destemor, Confiança e Mobilidade Emocional.
É um método estruturado para você desenvolver uma relação consciente com suas emoções, confiar genuinamente em si mesma, e conseguir transitar por diferentes contextos sem se fragmentar.




